quinta-feira, 21 de outubro de 2010

As respostas.




Olá!

Alguns livros que leio, me comprovam que a mente, quando quer, atrai as respostas que precisa quando menos se espera (na maioria das vezes isso acontece com livros mesmo).
O último livro que li, "Razões da Crítica" de Luiz Camillo Osório é um exemplo disso. Dúvidas que apareceram nos últimos tempos foram respondidas pelo livro. Mas não que eu estivesse procurando as respostas exatamente neste livro. São reflexões que, aparentemente, eu não encontraria no livro, mas encontrei.
Essa surpresa é fascinante!
Cito aqui um trecho que respondeu alguns questionamentos.
E não poderia deixar de falar da forma como o autor apresenta e reflete questões filosóficas difíceis de se expressar e, principalmente, com uma linguagem simples, sintética e que realmente esclarece o leitor.

Aqui estão minhas respostas.

"Estamos assim, creio eu, mais disponíveis para lidar com a aparente desordem da arte contemporânea. Não me interessa a impressão de vale-tudo, que surge sempre que entramos, por exemplo, em uma bienal. A desorientação é que me faz querer tornar público meu juízo, do ponto de vista tanto profissional quanto amador. Tornar público o juízo é o modo de criar sentido e fazer distinções. Uma vez que as obras nos tocam, e como isto acontece é inexplicável, nos vemos dispostos a pensar sobre elas, analisá-las com mais vagar, a procurar um vocabulário que ponha em foco e dê mais consistência ao sentimento inicial. Vai-se criando um círculo virtuoso em que sentir e conhecer se potencializam.
O desvio causado pela obra de Duchamp, onde 'tudo parece poder ser arte', é um desvio em direção à origem, onde as formas de arte são indiferenciadas e o que importa é a possibilidade de invenção de novos sentidos. A sua aposta não é que tudo, indiferentemente, seja arte, mas que tudo, na sua diferença, possa ser arte. E essa diferença deve ser entendida como afirmação da liberdade e criatividade humanas."

Fiquem livres para pensar em quais foram as perguntas.

Cuidem-se.

Makoto Habu - O jogo e o gênero



Makoto Habu
Pintura Elementar nº C, 2010
Grafite em pó sobre parede
Dimensões variáveis

A obra de Makoto Habu se trata de uma pintura/desenho feita com grafite em pó diretamente sobre parede, suscetível de se tornar efêmera, visto que aos poucos o grafite se desprende. Esse material depois de fixado possui a forma de um quadrado.
Ao trazer o formato característico da linguagem pictórica e o material da linguagem gráfica, o artista dialoga com ambas as linguagens de forma sintética, limpa e rica em discussões relacionadas ao caráter pictórico e gráfico.
Makoto Habu ultrapassa os limites das linguagens ao fazer seu trabalho diretamente na parede, de forma a criar um “quadro” que se expande, que vai além dos seus limites físicos, colocando o espectador em sintonia com a obra e o espaço. Habu, porém, utiliza o grafite como material de trabalho, portanto, não se pode excluir a possibilidade de ali estar desenhado, e não pintado, um quadrado na parede.
Essas possibilidades de reflexões e jogos de linguagem atribuem uma singularidade ao trabalho, principalmente, se relacionado à estética. Por um lado podemos atentar para o fato de que o desenho, tradicionalmente, não possui massa como elemento plástico-visual. Consequentemente, a obra se encaixaria dentro da pintura? Ainda não é uma conclusão sólida e suficiente, pois, no entanto, o trabalho só acontece de forma única pela utilização do grafite em pó.
Atribuir a obra de Habu a uma determinada linguagem é excluir todas as suas particularidades enquanto obra de arte contemporânea. A questão principal do trabalho é o jogo. É o passeio livre, e rico esteticamente, pelos principais campos da arte.
Makoto Habu possui algo de semelhante com os trabalhos da artista Flávia Ribeiro. A artista trabalha com diferentes tipos de metais em seus trabalhos tridimensionais, assim como materiais brutos e também o grafite como material e não instrumento. A semelhança entre os artistas não existe somente pelo mesmo uso dos materiais, mas ao fazer da obra um organismo vivo no espaço, um organismo material. A obra, portanto, atua como cúmplice do espectador que contempla e participa dos seus jogos de linguagem e se afirma como dona de seu tempo e espaço.

Cuidem-se.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O evento, a pintura e o Paulo Pasta.

Há pelo menos um ano entrei no site da Usp, especificamente na Revista Ars e selecionei e salvei vários textos para ler. O engraçado é que não sei como esqueci disso e fui achar esses textos no computador há pouco tempo atrás.
Escolhendo aleatóriamente o primeiro texto que iria ler, abri o texto “O evento e a pintura” do Paulo Pasta.
O texto não poderia ser mais atual e mais ideal para os meus últimos estudos.
Em primeiro lugar porque ele faz uma crítica (muito pertinente) da XXVI Bienal de São Paulo, e segundo porque a partir disso desvia deste foco para tratar dos assuntos da pintura, especificamente de grandes artistas pintores.

Ao falar da Bienal, Pasta traz um assunto que há muito está na minha cabeça. A questão da espetacularização da Bienal e como muitas obras, num grande evento como esse, acabam se tornando “ventríloquos do evento”.

(Vou trazer alguns trechos porque nada melhor do que a própria fonte. Já que infelizmente não salvei o link para colocar aqui).

“Parece uma equação irritante essa: vários dos trabalhos que lá estão tornam-se ventríloquos do evento, da urgência deste. E assim eles fazem reverberar um vazio alheio, ao mesmo tempo em que potencializam o vazio próprio. Para disfarçar, às vezes precisam fazer bastante barulho. E como essas bienais são barulhentas...”

Uma parte muito importante do texto é quando Pasta comenta a instalação de Paulo Bruscky na mostra daquele ano. E já trago o trecho de imediato.

“Segundo me pareceu, o próprio apartamento do artista é que foi transposto para o espaço expositivo. A curadoria entendeu que o lugar onde vive o artista ganharia o estatuto da obra.
Por que não expor a produção do artista? Por que optar por aquilo?
Não dá para evitar essas perguntas e, também, comparações menos favoráveis, como com o advento dos reality shows; porque, colocados numa situação de voyeurs, ficamos nos perguntando por onde andaria o habitante da casa, por exemplo. Talvez o grau zero de toda essa fetichização fosse, então, o mundo posto como readymade? Mas penso que talvez isso se explicaria mais banalmente pela atual e já citada espetacularização da arte.
Essa instalação, à revelia de seu valor, é um exemplo dessa substituição: a da obra pelo seu entorno e pela sua publicidade. Basta pensarmos nessa simetria de espaços: um, que é para exibir arte, e o outro, agora esvaziado da obra, tornado plágio de si. Um espaço procurando ser ocupado por outro espaço, ou um ecoando o outro.”

Muito atual. Ainda mais quando se tem que atingir números de espectadores e cria-se um circo ao invés de uma mostra de arte. Grande estratégia. Afinal fomos educados assim desde há muitos e muitos anos.

E ATENTO QUE NÃO ESTOU FALANDO DA BIENAL DESTE ANO POIS AINDA NEM FUI VISITÁ-LA. ESTOU FALANDO DE UMA CARACTERÍSTICA GERAL DE MUITAS MOSTRAS NOS ÚLTIMOS ANOS. E se serve de justificativa, estou muito esperançosa com essa Bienal.

Enfim, depois de percebermos através do texto a importância do evento para certas mostras e não a obra em si, Pasta desvia o assunto de forma muito sutil e começa a falar da pintura e o mais impressionante (e que me deixou encantada e muito mais fã desse cara), a retórica que ele possui.
A forma como ele compreende as obras, no caso, de Luc Tuymans, Reverón, James Ensor e Gerhard Richter, é de uma sensibilidade diferente, principalmente quando fala da diferença do tratamento da cor entre esses artistas.

Tuymans, por exemplo, usa de uma paleta quase monocromática e tem o branco como papel principal.
“O branco de Tuymans é bastante diferente. Ele parece vir antes, vem para ver a luta, para apagar os sentidos do mundo, para cobrir o sol, como querendo dizer que nenhuma ação presente tem a força do tempo que se encarrega de desvanecer e desbotar tudo.”
Como um dos principais assuntos desse artista remete à infância e à diferença de percepção e visão que mudam com o tempo, o branco na obra se basta para apresentar esse tema. O branco tira o peso do trabalho plástico em si e acrescenta no tema e na figura.



Luc Tuymans, Big Brother, 2008

Já em Reverón o branco se faz presente de outra forma, como sobrevivente.
“Em Reverón, o branco parece ser o rescaldo, o que sobrou da luta com a luz. O branco é o testemunho disso, dessa luz que desfaz o mundo enquanto parece querer torná-lo mais visível. É matéria viva e afetiva, inscrita materialmente na superfície da tela quase sempre crua, sem nenhuma imprimação. É uma pintura quase tátil, quase cega.” Bonito isso não?!



Armando Reverón, "The Creole 'Maja' (La maja criolla)," 1939, oil and tempera on burlap

James Ensor traz o branco como um poder maior. “Se na pintura de Luc Tuymans essa cor também é usada para trazer um estranhamento ao mundo, na de Ensor é o contrário: serve para deixar mais real o absurdo, como se trouxesse o mistério para a luz do dia.”



"Máscaras confrontando a Morte"

No decorrer do texto Pasta posiciona a importância da fotografia para esses artistas e como é a relação dessas linguagens.
“Tuymans faz da fotografia uma espécie de máscara.” Nesse momento o artista nos mostra o mundo e não o representa. E isso é fantástico, ainda mais com a pintura, que apesar de usar da fotografia, é seu trabalho real.

“Faz já algum tempo que teóricos abordam o fato de a fotografia ter se transformado num readymade da pintura, única lente capaz de tratar de forma atual as figuras e de nos colocar em dia com as premissas de nossa época.”
É importante entendermos que a fotografia tem vários papéis dentro da arte atual e ser parte do processo pictórico é um deles. Para mim, a pintura só tem a ganhar com isso. Temos que entender que o caráter pictórico hoje é abrangente demais e devemos colocar a pintura dentro do nosso tempo, que é híbrido e volátil.

Como exemplo disso, Pasta nos traz o artista alemão Gerhard Richter. É extremamente visível a presença da fotografia em seus trabalhos, mesmo que ele não faça uma pintura hiper-realista como é característica da fotografia. O artista borra e desfaz a imagem, senso assim, traz o movimento da câmera fotográfica como expressão e não o tema.
“A sua pintura procura colocar-se num ponto possível entre o olho e a máquina.”
“... a relação possível entre o fazer pictórico, sua prática peculiar, e o advento das imagens eletrônicas.”

Pasta volta a falar dos trabalhos de Tuymans no final do texto, mas com um foco um pouco diferente do início. Relacionando pintura e fotografia, Pasta consegue situar as duas linguagens hoje.
“A pintura parece ser mais desconfiada de si e, portanto, mais pronta a nos fazer participantes.” Isso é a principal característica da pintura e o que nos causa fascínio em toda a sua história. Não há certezas.
“Parece querer – ultrapassando a si mesma – a tradição, inclusive transformando a referência fotográfica numa prática já também tradicional."

É o tempo em que vivemos. Quando, com o surgimento da fotografia, a pintura se sentiu ameaçada, a sensação desse momento já ficou para trás há um bom tempo.

A pintura contemporânea vai além do que se esperava com a fotografia. A pintura hoje mostra e não representa, e não reproduz.

E para os artistas contemporâneos fica a dica.
“Ao mesmo tempo, Tuymans é um pintor dotado de erudição em pintura, mas que a coloca no lugar certo, isto é, não a utiliza para tecer citações ou exibir repertório, mas para melhor compreender seu tempo e lugar; ele que, sendo belga, fala com muito intimidade de El Greco e da pintura espanhola, assim como de Manet e da ligação profunda dos belgas com a tinta a óleo com o melhor material existente para a pintura.”

Cuidem-se.